sábado, 23 de fevereiro de 2013

Jura Secreta (Zélia Duncan)




Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega
O que me faz infeliz
É o brilho do olhar
Que não sofri


                Antes de iniciar a leitura deste texto baseado na música de Zélia Duncan, recomendo que escute a canção enquanto estiver lendo. Acredito que tornará a leitura mais agradável e compreensível.


                Cabe citar aqui, que no efeito de uma canção assim é possível sentir uma espécie de dor expressiva antes diluída em música, e traduzindo isso para uma visão mais analítica. Ao se entregar ao compasso de uma música, assimilando a linguagem e o sentimento melódico é também motivar cada um de forma psicossomática. E uma vez envolvido neste encanto, o tempo, as pessoas e as coisas já não são vistas e sentidas da mesma forma. Pois a música traz um novo significado, uma nova perspectiva para quem a sente, e pode também ser associada a ideias/lembranças positivas ou não, e a subjetividade que cada tem com determinados gêneros musicais é o que chamamos de identidade musical, estabelecida segundo os músico-terapeutas no inicio da vida durante os primeiros 6 meses. Lembrando que tudo aquilo que revive um sentimento pode também trazer à tona uma lembrança, inevitavelmente.

                Tenho como Jura Secreta, um possível desejo frustrado impulsionador de angústias, uma inquietação muitas vezes citada por românticos incuráveis, principalmente aqueles platônicos da 1° geração, seria talvez um amor narcísico para a Psicanálise? Acredito se tratar mais de um investimento libidinal enraizado a um sentimento de culpa. Em paralela culpa com um medo da castração muitas vezes eminente. E a maneira como somos inibidos por ele em nossa história pessoal gera uma influência direta na estrutura de uma personalidade neurótica, como questão de temperamento, enfrentamento e fuga de situações e principalmente em nossas relações afetivas.

                Em cada verso, as palavras ecoam em mim algo além da falta de um objeto, mas também um vazio existencial de que todo ser humano pode padecer ao se deparar com a possibilidade de um futuro não apenas solitário, mas principalmente uma relação não-autêntica. Pois a solidão é muito mais relativa, que acredito funcionar tanto como um mecanismo de defesa quanto uma reafirmação reciproca de um desprezo coletivo e por que não dizer que pode estar presente em todos os níveis de convivências gerada por indiferenças.

                Penso que a construção de autenticidade é algo muito particular e subjetivo, talvez por que não existe um modelo para cada pessoa. E não se trata apenas de estabelecer uma relação narcísica para supostamente termos uma ilusão de sermos mais especiais. Também acredito que não se trate de "encontrar o paraíso", pois uma experiência autêntica pode ser também uma boa dose de veneno para cada um de nós. Pois imagina se o poeta Dante em sua Divina Comédia, após atravessar os nove círculos do inferno e subir aos céus no ato de encontrar sua amada, fosse obrigado a regressar ao abismo novamente e fosse ali aprisionado? Afinal, refiro-me a essa relação não como uma situação, mas como condição de enfrentamento e resiliência diante do que a vida tem a lhe oferecer.

                Ter ideias assim podem também provocar conflitos pessoais, por que a nossa realidade social exige outras condutas de nós e então as escolhas da nossa vida e o investimento das nossas energias podem permear a partir delas. Seja quando desistimos de fazer algo notável na vida para sermos notado através do status quo, ou quando preferimos não correr o risco de enfrentar nossos pais para namorar uma pessoa diferente do que eles planejaram para nós. São pequenas repressões que em longo prazo alimentaria sintomas de inquietações e sentimentos de culpa, pois quanto maior a repressão maior o desejo, justificando o que Freud chama de o grande mal estar na civilização.

                No entanto não tem jeito, quando procuramos independência e felicidade a níveis não só sociais, mas particulares, deparamos com a pressão alheia que tenta nos uniformizar. É irônico como muitos falam sobre liberdade, mas geralmente ficam chocados quando presenciam alguém tentando exercê-la.

                Talvez o motivo de inúmeras neuroses seja principalmente este tipo de repressão que delonga investimento libidinal sintomático, deixando claro que a nível inconsciente até estaria resolvido, mas conscientemente estaríamos sujeitos a conflitos interno, sentimentos de culpa e obsessões. E isso não quer dizer que precisamos deixar que todas as nossas vontades falem por nós, mas que em cada decisão seja avaliada por um ganho não puramente imediato, mas a longo prazo por exemplo. O sofrimento também precisa ser trabalho, pois nem toda frustração é opressora e negativa, e nós podemos reagir de forma mais consciente se aprendermos a negociarmos com nós mesmos, entre nossas possibilidades e a compreensão responsável das consequências.